Ao falar sobre contexto na interação humano-computador em outro post, disse que há três dimensões para se analisar e compreender como as pessoas interagem, especialmente através das novas tecnologias:
1) configuração do ambiente - que não seria apenas o modo como o sistema está configurado, mas também as possibilidades de configuração e habilidades do usuário para configurar (o termo "configuração" foi colocado por não haver outro termo no português brasileiro). Exemplo: como eu configuro no Facebook o modo que apareço ou não no bate-papo e habilito para que pessoas específicas apareçam.
2) tipo de atividade - que na interação em rede envolve os focos possíveis de atuação existentes enquanto interajo (falo neste post) e
3) formas de participação - a inexistência da presença, trocada pela disponibilidade, que falarei em post posterior.
Tipo de atividade - Imagine duas situações:
1) você encontra alguém na rua, começa a conversar e a pessoa pergunta o que você está fazendo naquele momento. Bom... você estará obviamente conversando e, provavelmente, em uma comunicação normal esta dúvida não ocorrerá.
2) Agora, imagine que, nesta conversa, a pessoa informa a você que perdeu o emprego ou que o pai está com câncer. Você, então, toma um cafezinho e escreve uma mensagem no celular enquanto ouve os problemas do seu amigo. Bom... muito provavelmente você não fará isso. Além de deselegante, para não dizer o mínimo, tal situação não é regular nesses contextos comunicativos.
O que foi colocado nos dois parágrafos anteriores é incomum para a interação face-a-face, mas na interação através do computador, em uma rede social, por exemplo, há ações equivalentes, e isso ocorre devido a duas razões: o modo de focar a atividade (polifocalidade - referente à situação 1) e a dificuldade de se estabelecer a ação da atividade no momento de interação (o campo de ação - referente à situação 2). Entende-se que há uma figura e fundo na atividade, ou seja, uma ação primária sobre outra que eventualmente possa emergir, o que é difícil estabelecer na interação humano-computador. Vamos explicar com exemplos.
Na interação humano-computador, é difícil saber qual é o evento focal do usuário. Se você está usando o computador em um laboratório com os colegas para fazer um trabalho ou estudar, pode ser que também envie mensagens para a namorada, deixe um texto aberto para tentar completá-lo e ouça música enquanto navega por outros sites. O que você estaria fazendo neste instante? Utilizando o estudo como pretexto para realizar outras atividades ou fazendo essas atividades como pretexto para estar estudando? Hoje, já é comum deixarmos não só mais de um programa rodando, mas também ambientes colaborativos diferentes e procurarmos interagir com o maior número possível deles. Alguns estudiosos dizem que isso faz com que a nova geração esteja perdendo o poder de concentração, mas é difícil negar que adquirem habilidades cada vez mais poderosas de lidar quase ao mesmo tempo com atividades diferentes. O pesquisador Rodney Jone estava com os alunos em um laboratória na sua aula de produção de textos. Os alunos naturalmente abriram vários programas, incluindo um, semelhante ao MSN, e se surpreenderam quando o professor perguntou porque estavam com tantos programas abertos e não prestando atenção na aula. Eles não comprendiam como ligar o computador e não deixar um programa de comunicação aberto com outras pessoas. Isso significa que as pessoas não estão também simplesmente entrando na Internet, mas principalmente em ambientes colaborativos e redes sociais. E não há como trabalhar assim se não houver várias atividades em disputa, enfim, a polifocalidade da atividade, também já tranquilamente empregada no mercado de informática quando são anunciados produtos através dos quais você vai poder ler, ouvir música, interagir com outras pessoas, saber qual é sua localização, mandar e-mails, telefonar etc.
Ao me comunicar com alguém, também tenho um campo de ação muito grande e fluido. Eu posso estar abrindo janelas, clicando em links para entrar em páginas Web e em suas seções, usando dois arquivos que estão abertos no meu editor de texto e controlar a instalação de um programa, acompanhando o assistente. Em que momento há uma figura e fundo na atividade? Ou seja, que ação está em foco e quais ações estão em segundo plano? A situação é mais drástica ainda quando percebemos que, em uma rede social, podemos verificar as informações pessoais no perfil de alguém, olhar as fotos que são postadas, ler o status da pessoa, ver um vídeo que ela coloca ou o link disponibilizado e emitir uma opinião ou mandar uma mensagem. Em outras palavras, estabelecemos como ponto de partida da interação, não apenas um texto de um amigo, mas quaisquer informações que ele puder dispor. MAS CUIDADO! Isso não quer dizer que as novas tecnologias computacionais possibilitaram a polifocalidade e a diluição figura-fundo na comunicação. Isso sempre ocorreu. O que muda é que essas novas tecnologias possibilitam uma facilidade muito maior de alternância das ações e da atividade sem o risco de ofender a pessoa com a qual se está interagindo ou trazer constrangimento.
Vimos nas situações 1 e 2, ocorrências incomuns na fala, mas podemos agora compreender equivalentes que não causam qualquer estranhamento ao usuário. É muito provável que esta explicação também indique que a ATENÇÃO no momento de interação não é um processo individual - simplesmente não é algo que surge da "cabeça do indivíduo". A atenção mostra-se, assim, como uma construção social, uma maneira de se negociar ações que são disponibilizadas conforme a maneira que se interaja. A atenção não é algo que surge na interação, mas algo que é construído na interação das pessoas entre si e com o seu ambiente, físico ou virtual. A atenção não é um processo interno à mente humana, mas um fenômeno que existe porque nós "prestamos", "chamamos", "roubamos"...
Vou adiar de novo a discussão sobre configurações, atividade e exposição como parâmetros para entender as interações em redes sociais. Esta semana, fiz um estudo sobre metáforas e mudei um artigo que tinha fora do blog e que agora é o texto adiante.
Pastas, arquivos, lixeira e mesa de trabalho (desktop)? Janelas, páginas e Web? Essas e outras metáforas só são entendidas de maneira efetiva se forem enfocadas no uso e perderem a maior parte das ligações com seus correspondentes físicos. As pessoas que querem a todo custo relacionar as metáforas da interface do computador com o mundo físico defendem uma visão que está fora da concretude da realidade e atrasam a compreensão de como funcionam as interfaces. Coloco adiante as minhas justificativas para a afirmação dada, com alguns exemplos, e proponho duas possíveis soluções para o problema.
Em primeiro lugar, ter "o uso" como efetivo para o entendimento implica, no caso das metáforas computacionais, tomar como ponto de partida práticas de manipulação de elementos em interfaces gráficas, as quais tornam tais elementos compreensíveis; ao contrário do que ocorre quando os relacionamos com a vida fora do computador. As pastas, por exemplo, foram criadas no intuito de as relacionarmos com as pastas de escritório, é verdade, mas no dia-a-dia elas têm usos bem diferentes. No escritório, colocamos pastas sobre pastas e, para tirarmos as que estão embaixo, precisamos tirar as que estão em cima. No computador, elas estão sempre flutuando e verificamos pastas mais internas a partir de um clique no sinal de “+”, que em seguida se transforma em um sinal de “-” (no Windows 7 temos uma setinha). Foi o que ocorreu quando se clicou no sinal da pasta “Lafayette”, mostrada abaixo.
Tentativas de mudar esta situação foram colocadas nos sistemas como é feito na disposição dos arquivos mais recentemente utilizados. Mas o problema continua porque muita gente insiste em ensinar uma hierarquia natural que estaria no mundo das pastas.
Outro ponto a se pensar é que, no nosso cotidiano material, pastas em um escritório são elementos usados diferentemente de lixeiras, computadores e mesas de trabalho. Por mais óbvio que isso possa parecer, não é assim que ocorre quando usamos tais elementos na tela. A lixeira, por exemplo, funciona exatamente como uma pasta. Basta abrirmos sua janela e verificarmos a sua estrutura (alíás, a pasta vira uma janela - outra inverossimilhança). Não é incomum que, em aulas de introdução à informática, quando o professor tenta relacionar todas as metáforas do computador com o mundo físico e fale do desktop (mesa de trabalho), o aluno pergunte: “Por que a lixeira fica em cima da mesa e não embaixo?”
Soluções:
1) estrategicamente, ensinar/explicar os elementos da interface do computador em função de suas diferenças com o mundo físico e não em função de suas semelhanças e, em termos de postura tanto para essa situação quanto para outras coisas da vida, compreender que muitas vezes as situações mais concretas e realistas não são as mais práticas e objetivas, muito menos as ditas “naturais”, mas sim as que dizem respeito ao funcionamento do cotidiano.
2) admitir que as metáforas são processos criativos, surgem na interação entre as pessoas e com o ambiente e não são um sentido figurado correspondente a um sentido literal mais objetivo, inicial e compreensível - isso faz com que se entenda a metáfora na gramática da escola como uma palavra que substitui outra. Veja como isso é irreal, considerando os exemplos abaixo usados para referir-se a componentes na interface. Você teria outro termo mais claro e literal para eles?
- arquivos;
- pastas;
- lixeira;
- mesa de trabalho
- janelas (do Windows);
- barra de rolagem (das janelas).
- sistema;
- web;
- ferramentas;
- recursos;
- serviços;
- redes sociais.