Participação e privacidade - CONTEXTO em IHC com dispositivos móveis e em redes sociais (parte 3)

Da mesma forma que a interação mediada pelo computador altera a configuração do ambiente (falei neste post) e como organizamos nossas atividades (falei neste outro post), também altera como estamos participando e nos expondo. Ou seja, há uma mudança em relação a como estamos presentes um em relação ao outro. A idéia de presença sempre esteve ligada à maneira de se expor. Se estou presente, estou, obviamente, mostrando-me para os outros, que estariam me vendo e poderiam me observar. Ops! - em redes sociais não é bem assim... e com as tecnologias móveis esta questão muda mais acentuadamente. Simplesmente, a privacidade acabou. Não mais podemos nos dar ao luxo de achar que temos domínio sobre nossas vidas e as guardamos em um lugar seguro. Mas há três "poréns" e enquadres que explico adiante, com exemplos .


- Estar na rede marcado na interface - Exemplo: no Facebook, pode-se ver uma lista de pessoas que estão ligadas a um grupo e uma lista de pessoas que estão disponíveis para conversas online no bate-papo. Além disso, há a lista de amigos propriamente dita do Facebook (pouco usada), que não é o grupo nem os amigos de bate-papo, mas um conjunto de pessoas que podemos organizar na rede para ver as postagens que estão fazendo. Sabemos que amigos podem ser pesquisados e vistos na lista de outros amigos e, dependendo da autorização de um pedido de amizade, podem se tornar nossos amigos também. Em todos esses casos, há maneiras específicas de se dispor ou se expor ao outro. Basta estar na rede que a privacidade acaba, online ou não. Obviamente, esta maneira de estar à disposição ou não vai depender da configuração contextual, como explicamos no post com o exemplo do Gmail. Naquele caso, também há várias formas de estar à disposição, e vários tipos de mensagem podem chegar ao usuário, estando ele online ou "invisível". No caso no Facebook, a possibilidade de configuração contextual é muito maior e, consequentemente, há maior chance de variar as formas de participação.

Essas listas com indicações gráficas e textuais das pessoas indicam uma forma de o sujeito estar na rede, que é a sua marcação na interface. Pois bem, estamos marcados para sempre sobre onde estamos e a respeito do que estamos fazendo e, quando não estamos marcados em um certo momento, há sempre a possibilidade de dizer a alguém que se está na espreita, que se deseja um encontro. Por isso, a privacidade acabou quando se vê ou não a marcação na interface.

- Estar na rede marcado na Interface para ser localizado fisicamente - podemos ter a marcação como um ponto de partida para encontros pessoais e fisicamente presenciais. Sabemos que muita gente adora dizer espontaneamente o que está fazendo ou para onde está indo. Para todas as redes, há plug-ins e aplicativos para se mostrar onde estamos geograficamente com alta precisão. Sem contar a descoberta recente sobre a capacidade de todos os celulares mostrarem onde as pessoas estão sem qualquer instalação de aplicativo ou autorização do usuário, como você pode conferir nesta reportagem. Há alguns formas de desabilitar esses rastreamentos, admitidos tanto pela Apple quanto pelo Google, mas algumas soluções envolvem radicalmente mudar o sistema ou o aparelho. Conseguimos, ainda, inferir sobre a localização de uma pessoa a partir da regularidade e do tipo de informação que é colocada na timeline, bem como do modo como se está escrevendo, mesmo se não houver indicação espontânea. Um exemplo: um aluno falou que eu estava de táxi a caminho do trabalho e utilizando meu celular para acessar a Internet. Ele conseguiu inferir isso pelo horário e pela maneira como coloquei o texto, breve e incompleto, mesmo sem ter a sua disposição como ver o símbolo do robô do Android - que indicaria que eu estava com celular.

- Estar localizado fisicamente em algum lugar do mundo para localização na rede - mesmo em um possível mundo físico sem Internet, temos radares, sensores, satélites, câmeras e os mais diversos dispositivos que podem coletar informações sobre nós e espalhar pela rede. Do mesmo modo que alguém que está na rede não se expõe diretamente, mas deixa pistas sobre o que está fazendo, não há qualquer necessidade de que, no mundo físico, as pessoas se mostrem conscientemente para já estarem na rede. Ter uma conta em banco, mesmo que não se faça acesso a ela pela Internet, pode expor qualquer um na rede - basta que o banco disponha os dados da pessoa em sistemas interconectados. Mas isso não seria atitude isolada do banco, pois qualquer instituição hoje em dia está conectada e como os indivíduos vivem em instituições... Mais um exemplo: em uma experiência, criei grupos no Facebook para as disciplinas que leciono. Os alunos poderiam utilizá-los a qualquer momento para postar, comentar e mostrar que haviam feito alguma tarefa, tanto em laboratório quanto fora dele e em outro horário. Pude identificar que as formas de se expor por parte dos alunos adquiriram características específicas. Um aluno postou uma mensagem no horário da aula de laboratório, mas ele não estava no momento, ou seja, o fato dele se mostrar na rede enfatizou que ele não estava no laboratório - foi quando notei que ele havia "faltado", mas estava participando da discussão. O aluno estava localizado em casa e participando da discussão na rede. Ainda em relação à localização física, poderia falar de como os objetos do nosso mundo estão nos dando acesso à Internet, mas falarei disso posteriormente, pois é um assunto que demanda outra análise (já podemos, por exemplo, "curtir" um pacote de biscoito na prateleira do supermercado e esta situação ser compartilhada com os amigos da sua rede) .

A essas três formas de se expor e de ter aceso a informações dos outros, dependendo da configuração contextual, chamamos acessibilidade interacional. A acessibilidade interacional no Facebook tem uma dependência muito grande da configuração contextual, já que há uma disponibilidade muito grande de modos de configurar a privacidade e o compartilhamento de informações para outras pessoas. A acessibilidade interacional no exemplo do laboratório envolvia também a não co-presença física do aluno. Novas formas de acessibilidade interacional, contudo, devem-se à possibilidade de dispor para as pessoas formas diferentes de monitorar e mostrar a interação de acordo com sua metodologia de ensino ou seu estilo de trabalho. De todo modo, esta acessibilidade mostra claramente que podemos nos recolher em um lugar do quarto para interagir com o mundo, que nos tornamos privados para sermos públicos, enfim, que a idéia de "vida privada" realmente não existe mais - vamos ter que nos conformar, no máximo, com a vida "disponível" ou "não disponível"... e saber como tomar cuidado com o que mostramos também é bom. Veja só o que pode ocorrer com o seu trabalho:

Ou com seus filhos:


CONTEXTO em interação humano-computador com dispositivos móveis e em redes sociais (parte 2)

Ao falar sobre contexto na interação humano-computador em outro post, disse que há três dimensões para se analisar e compreender como as pessoas interagem, especialmente através das novas tecnologias:

1) configuração do ambiente - que não seria apenas o modo como o sistema está configurado, mas também as possibilidades de configuração e habilidades do usuário para configurar (o termo "configuração" foi colocado por não haver outro termo no português brasileiro). Exemplo: como eu configuro no Facebook o modo que apareço ou não no bate-papo e habilito para que pessoas específicas apareçam.

2) tipo de atividade - que na interação em rede envolve os focos possíveis de atuação existentes enquanto interajo (falo neste post) e

3) formas de participação - a inexistência da presença, trocada pela disponibilidade, que falarei em post posterior.

Tipo de atividade - Imagine duas situações:

1) você encontra alguém na rua, começa a conversar e a pessoa pergunta o que você está fazendo naquele momento. Bom... você estará obviamente conversando e, provavelmente, em uma comunicação normal esta dúvida não ocorrerá.

2) Agora, imagine que, nesta conversa, a pessoa informa a você que perdeu o emprego ou que o pai está com câncer. Você, então, toma um cafezinho e escreve uma mensagem no celular enquanto ouve os problemas do seu amigo. Bom... muito provavelmente você não fará isso. Além de deselegante, para não dizer o mínimo, tal situação não é regular nesses contextos comunicativos.

O que foi colocado nos dois parágrafos anteriores é incomum para a interação face-a-face, mas na interação através do computador, em uma rede social,  por exemplo, há ações equivalentes, e isso ocorre devido a duas razões: o modo de focar a atividade (polifocalidade - referente à situação 1) e a dificuldade de se estabelecer a ação da atividade no momento de interação (o campo de ação - referente à situação 2). Entende-se que há uma figura e fundo na atividade, ou seja, uma ação primária sobre outra que eventualmente possa emergir, o que é difícil estabelecer na interação humano-computador. Vamos explicar com exemplos.

Na interação humano-computador, é difícil saber qual é o evento focal do usuário. Se você está usando o computador em um laboratório com os colegas para fazer um trabalho ou estudar, pode ser que também envie mensagens para a namorada, deixe um texto aberto para tentar completá-lo e ouça música enquanto navega por outros sites. O que você estaria fazendo neste instante? Utilizando o estudo como pretexto para realizar outras atividades ou fazendo essas atividades como pretexto para estar estudando? Hoje, já é comum deixarmos não só mais de um programa rodando, mas também ambientes colaborativos diferentes e procurarmos interagir com o maior número possível deles. Alguns estudiosos dizem que isso faz com que a nova geração esteja perdendo o poder de concentração, mas é difícil negar que adquirem habilidades cada vez mais poderosas de lidar quase ao mesmo tempo com atividades diferentes. O pesquisador Rodney Jone estava com os alunos em um laboratória na sua aula de produção de textos. Os alunos naturalmente abriram vários programas, incluindo um, semelhante ao MSN, e se surpreenderam quando o professor perguntou porque estavam com tantos programas abertos e não prestando atenção na aula. Eles não comprendiam como ligar o computador e não deixar um programa de comunicação aberto com outras pessoas. Isso significa que as pessoas não estão também simplesmente entrando na Internet, mas principalmente em ambientes colaborativos e redes sociais. E não há como trabalhar assim se não houver várias atividades em disputa, enfim, a polifocalidade da atividade, também já tranquilamente empregada no mercado de informática quando são anunciados produtos através dos quais você vai poder ler, ouvir música, interagir com outras pessoas, saber qual é sua localização, mandar e-mails, telefonar etc.

Ao me comunicar com alguém, também tenho um campo de ação muito grande e fluido. Eu posso estar abrindo janelas, clicando em links para entrar em páginas Web e em suas seções, usando dois arquivos que estão abertos no meu editor de texto e controlar a instalação de um programa, acompanhando o assistente. Em que momento há uma figura e fundo na atividade? Ou seja, que ação está em foco e quais ações estão em segundo plano? A situação é mais drástica ainda quando percebemos que, em uma rede social, podemos verificar as informações pessoais no perfil de alguém, olhar as fotos que são postadas, ler o status da pessoa, ver um vídeo que ela coloca ou o link disponibilizado e emitir uma opinião ou mandar uma mensagem. Em outras palavras, estabelecemos como ponto de partida da interação, não apenas um texto de um amigo, mas quaisquer informações que ele puder dispor. MAS CUIDADO! Isso não quer dizer que as novas tecnologias computacionais possibilitaram a polifocalidade e a diluição figura-fundo na comunicação. Isso sempre ocorreu. O que muda é que essas novas tecnologias possibilitam uma facilidade muito maior de alternância das ações e da atividade sem o risco de ofender a pessoa com a qual se está interagindo ou trazer constrangimento.

Vimos nas situações 1 e 2, ocorrências incomuns na fala, mas podemos agora compreender equivalentes que não causam qualquer estranhamento ao usuário. É muito provável que esta explicação também indique que a ATENÇÃO no momento de interação não é um processo individual - simplesmente não é algo que surge da "cabeça do indivíduo". A atenção mostra-se, assim, como uma construção social, uma maneira de se negociar ações que são disponibilizadas conforme a maneira que se interaja. A atenção não é algo que surge na interação, mas algo que é construído na interação das pessoas entre si e com o seu ambiente, físico ou virtual. A atenção não é um processo interno à mente humana, mas um fenômeno que existe porque nós "prestamos", "chamamos", "roubamos"...

Metáforas no computador e na Internet

Vou adiar de novo a discussão sobre configurações, atividade e exposição como parâmetros para entender as interações em redes sociais. Esta semana, fiz um estudo sobre metáforas e mudei um artigo que tinha fora do blog e que agora é o texto adiante.

Pastas, arquivos, lixeira e mesa de trabalho (desktop)? Janelas, páginas e Web? Essas e outras metáforas só são entendidas de maneira efetiva se forem enfocadas no uso e perderem a maior parte das ligações com seus correspondentes físicos. As pessoas que querem a todo custo relacionar as metáforas da interface do computador com o mundo físico defendem uma visão que está fora da concretude da realidade e atrasam a compreensão de como funcionam as interfaces. Coloco adiante as minhas justificativas para a afirmação dada, com alguns exemplos, e proponho duas possíveis soluções para o problema.

Em primeiro lugar, ter "o uso" como efetivo para o entendimento implica, no caso das metáforas computacionais, tomar como ponto de partida práticas de manipulação de elementos em interfaces gráficas, as quais tornam tais elementos compreensíveis; ao contrário do que ocorre quando os relacionamos com a vida fora do computador. As pastas, por exemplo, foram criadas no intuito de as relacionarmos com as pastas de escritório, é verdade, mas no dia-a-dia elas têm usos bem diferentes. No escritório, colocamos pastas sobre pastas e, para tirarmos as que estão embaixo, precisamos tirar as que estão em cima. No computador, elas estão sempre flutuando e verificamos pastas mais internas a partir de um clique no sinal de “+”, que em seguida se transforma em um sinal de “-” (no Windows 7 temos uma setinha). Foi o que ocorreu quando se clicou no sinal da pasta “Lafayette”, mostrada abaixo.

É crucial notar aqui que a suposta naturalidade das pastas do computador, relacionada às pastas materiais, cai por terra quando pensamos sobre seus elementos internos. Alguém poderia dizer que guardamos arquivos em uma pasta tanto em um meio quanto no outro. O problema é que essa constatação vê a prática do uso pela metade. Não somente guardamos arquivos, também os procuramos, e a busca de material se faz de um jeito bem diferente do que é tratado no mundo físico. Nos primeiros sistemas operacionais gráficos, pensava-se que criar hierarquia de pastas, nas quais os arquivos fossem devidamente colocados, bastaria para que as pessoas entrassem nas pastas adequadas e encontrassem o material de interesse. No dia-a-dia, novamente não é assim que acontece. O uso da ferramenta “localizar” é constante, principalmente quando procuramos um arquivo que deixamos de usar muito tempo atrás. O que se descobriu foi que as pessoas tentam lembrar do material muito mais pelo nome que lhes é dado do que pela hierarquia das pastas.

Tentativas de mudar esta situação foram colocadas nos sistemas como é feito na disposição dos arquivos mais recentemente utilizados. Mas o problema continua porque muita gente insiste em ensinar uma hierarquia natural que estaria no mundo das pastas.

Outro ponto a se pensar é que, no nosso cotidiano material, pastas em um escritório são elementos usados diferentemente de lixeiras, computadores e mesas de trabalho. Por mais óbvio que isso possa parecer, não é assim que ocorre quando usamos tais elementos na tela. A lixeira, por exemplo, funciona exatamente como uma pasta. Basta abrirmos sua janela e verificarmos a sua estrutura (alíás, a pasta vira uma janela - outra inverossimilhança). Não é incomum que, em aulas de introdução à informática, quando o professor tenta relacionar todas as metáforas do computador com o mundo físico e fale do desktop (mesa de trabalho), o aluno pergunte: “Por que a lixeira fica em cima da mesa e não embaixo?”

Soluções: 

1) estrategicamente, ensinar/explicar os elementos da interface do computador em função de suas diferenças com o mundo físico e não em função de suas semelhanças e, em termos de postura tanto para essa situação quanto para outras coisas da vida, compreender que muitas vezes as situações mais concretas e realistas não são as mais práticas e objetivas, muito menos as ditas “naturais”, mas sim as que dizem respeito ao funcionamento do cotidiano.

2) admitir que as metáforas são processos criativos, surgem na interação entre as pessoas e com o ambiente e não são um sentido figurado correspondente a um sentido literal mais objetivo, inicial e compreensível - isso faz com que se entenda a metáfora na gramática da escola como uma palavra que substitui outra. Veja como isso é irreal, considerando os exemplos abaixo usados para referir-se a componentes na interface. Você teria outro termo mais claro e literal para eles?
  • arquivos;
  • pastas;
  • lixeira;
  • mesa de trabalho
  • janelas (do Windows);
  • barra de rolagem (das janelas).
Mas não é apenas sobre os componentes da interface que temos dificuldade de não metaforizar. Podemos pensar no uso de metáforas de uma forma mais ampla, em relação aos programas que estão na Internet:
  • sistema;
  • web;
  • ferramentas;
  • recursos;
  • serviços;
  • redes sociais.

Três inverdades ditas sobre a língua para quem não é linguista

Antes de voltar ao post anterior (falando de configuração, tema da atividade e forma de exposição para entender como se dá a interação em ambientes sociais na Internet), preciso comentar uma notícia que saiu recentemente sobre o uso da linguagem e a adoção de um livro didático pelo MEC. Esta notícia me motiva a escrever novamente neste blog (finalmente!) e a tentar esclarecer equívocos graves sobre pensamentos a respeito do uso da língua, disseminados na mídia como sendo a maior verdade do mundo e um problema terrível para o cidadão brasileiro.
O livro mostra exemplos da fala popular e diz que esses exemplos podem ser usados, dependendo da situação em que o falante se encontre. O problema realmente grave não é o livro, mas como o momento está sendo aproveitado para que várias figuras da mídia se arvorem revoltadas, explicitando preocupações que sequer teriam uma razão mínima de existir.
Escritores da Veja, comentaristas da Globo e consultores de gramática falam inadvertidamente que o livro se baseia em uma “lingüística moderna” que incentiva às pessoas a falarem errado e diz que tudo é permitido porque não existem regras na língua. Três pontos menciono, inicialmente, para mostrar que a forma como a imprensa coloca a matéria, se não for de má-fé, é de um incentivo ingênuo à ignorância:
1)      O livro se baseia em uma “lingüística moderna” que incentiva às pessoas a falarem errado – Não é a verdade dos fatos, pois os lingüistas “modernos” ou “antigos” não aplicam a idéia de errado (ou não dizem que o erro ocorre apenas fora da gramática formal);  apenas falam das formas de adequação da linguagem que existe no mundo real. Os lingüistas não propagam como a linguagem tem que ser usada, apenas estudam os usos da língua e suas razões de ser. Esses lingüistas são cientistas que, assim como um físico que se depara com novos fenômenos do movimento, biólogos que encontram novas espécies e antropólogos que descobrem vestígios históricos para compreender a humanidade, não dizem que seus objetos de pesquisa são “errados” ou que “não existem”. Eles apenas estudam a razão de ser dos fenômenos ou vão procurar entender o discurso (da mídia, da religião, da ciência e de outras esferas)  bem como a linguagem do dia-a-dia, seja ela falada ou escrita. Eles também dão valor à fala por uma questão óbvia: o ser humano além de escrever, fala, e na maior parte do seu tempo. Além disso, na humanidade há civilizações que falam e escrevem e as que apenas falam (em um maior número, por sinal), o que indica, no mínimo, que a fala também merece a atenção de estudos.
2)      Essa lingüística na qual se baseia o livro do MEC diz que tudo é permitido – Não é verdade. Os lingüistas que conheço (são vários e das mais diferenciadas linhas) estudam dimensões e aplicações da língua e investigam suas peculiaridades ou regularidades, o seu desenvolvimento na vida do ser humano e na humanidade, as origens e o funcionamento concreto da língua por pessoas reais na fala e na escrita, e não em frases isoladas de uma gramática normativa. Portanto, são esses estudiosos os que mais têm consciência das regras empregadas nas línguas do nosso mundo. Eles apenas não impõem que as regras têm que ser aplicadas de um para outro campo, da escrita para a fala ou vice-versa. Eles constatam como as pessoas efetivamente as aplicam no mundo e não exercem poder de polícia, dizendo que uma forma de falar ou escrever precisa ser usada em detrimento de outra. Daí achar que eles dizem que tudo é permitido, vai longe.
3)      Não deveria ser estudada a língua popular ou a que se usa na Internet, dentro de sala de aula, porque essas os alunos já sabem – Novamente, não é a verdade clara, que deveria ocorrer: as pessoas na escola merecem estudar o que as ciências da linguagem têm trazido de importante para a evolução do conhecimento e não apenas aprender a obedecer regras  (na verdade, leis do certo e do errado).  Se aprendemos sobre o que os cientistas e estudiosos da física, da matemática, da biologia, da história e da geografia nos trouxeram, por que não podemos aprender sobre o que os lingüistas estão debruçados? E se eles estudam a linguagem nas sua mais diversas manifestações (da criança, na rua, o “internetês” etc), por que os que estão na escola também não podem estudar? Não vejo os lingüistas dizendo que o estudo da gramática formal deve ser proibido, mas os gramáticos, sim, querem impedir o verdadeiro acesso à compreensão do funcionamento da linguagem humana, manifestada em suas mais diferenciadas situações .
Enfim, por que o escândalo sem ao menos debater o porquê do funcionamento da língua informal? (que é uma parte de um capítulo deste livro que estão condenando – e não o livro todo) Pior, por que gerar revolta e polêmica quando se mostram apenas que as várias situações da fala geram preconceito? Talvez este livro fale um pouco de preconceito lingüístico, mas o que deveria mesmo era denunciar os preconceitos por trás dos ditos “preconceitos lingüísticos”. Afinal de contas, quando falamos “me dê o sal”, não há escândalo. Escândalo mesmo é quando essa “gente diferenciada” diz “pobrema” ou não faz as concordâncias devidas. Mas, peraí... de acordo com a gramática formal tudo isso não constitui um erro? Claro, mas a oportunidade para atacar os lingüistas e outras formas de abordar a língua, fora do padrão estabelecido como culto (formal), é melhor de ser aproveitada se for registrada em um livro aprovado pelo MEC.