Comunicação e interação evoluindo (ou não) da fala aos dispositivos móveis

Não é de agora que se fala em comunicação e interação na Internet e de suas possíveis formas estarem ou não evoluindo. Vi outro dia uma imagem que mostrava como o homem evolui na escrita desde seus primeiros momentos, tentando grafar uma palavra na pedra, inventando a imprensa, enviando um e-mail e mandando seus twittes. José Saramago falou que, partindo do uso limitado de 140 caracteres no twitter, o próximo passo na comunicação humana será voltar aos grunhidos.

A evolução da interação humano-computador parte da escrita em interfaces baseadas em caracteres (comandos digitados), passando pelas interfaces gráficas e pelas interfaces Web até as especulações hoje em dia sobre imersão e interface 3D. Há estudiosos que afirmam que o passo de maior evolução na interação humano-computador será quando os computadores entenderem nossos gestos. Em outras palavras, eles falam que a evolução na interação humano-computador segue um sentido inverso da interação humano-humano, ou seja, da escrita para a fala e os gestos.

Não concordo com o termo "evolução" da maneira como é tratado na maioria das vezes. Fala-se de mudanças, de transformações que podem significar reutilizar modos ou estratégias antigas. Apesar dessas transformações não serem "evolução" necessariamente, são o uso adequado às formas de interação. Isso sim é claro. Basta vermos alguns exemplos:

  • O "arrastar-e-soltar" era típico de interfaces gráficas e não de interfaces Web. Quando o "arrastar-e-soltar" foi incorporado nas interfaces Web com o advento da Web 2.0 e as possibilidades do conjunto de tecnologias AJAX, não acredito que alguém tenha achado que houve um atraso, mas sim facilidade operacional.
  • Organizações divulgam a todo tempo seus produtos e serviços, seja pela Web ou através de panfletos em papel, que parecem estar em quantidade maior nas ruas.
  • Às vezes, é importante usar muitas modalidades de comunicação para se atingir os objetivos. A Wikipedia está trabalhando a transformação de seu conteúdo em papel, mas também vídeos nos seus verbetes. Há ainda muita mudança na Wikipedia que revê os modos de escrita cada vez mais em conjunto (o que seria uma tendência na Web) e a restrição de colaboradores para promover uma melhor qualidade (o que iria na contramão da idéia de atividade colaborativa na Web).
  • A Internet está integrando recursos de comunicação do rádio, da tv, dos jornais, das redes sociais e, é verdade, bem mais do que a tv digital está integrando os recursos da Internet.

Um exemplo mais minucioso diz respeito a como acompanhamos a comunicação em um momento de interação. As pistas que o outro nos dá para continuarmos a conversa, cedermos a palavra ou mudarmos o rumo do assunto podem estar no olhar, no ato de levantar o dedo ou no modo de se expressar corporalmente como um todo. Na Internet, precisamos ao menos de indicadores de presença que podem ser símbolos indicando que alguém está no chat, informações sobre se o outro está digitando algo ou até mesmo a visualização dos caracteres que o outro está digitando e apagando. Face a face não precisamos desses indicadores e isso reforça o estudo do uso adequado de formas de interação muito mais do que saber se há ou não evolução no modo de nos comunicarmos.

Mais um exemplo, esse experimentado pessoalmente na última semana. Estava conversando com Isaac, aluno de Sistemas para Internet e resolvemos testar uma das funções do Google Labs (funções disponibilizadas experimentalmente para testes antes de serem incorporadas definitivamente aos programas do Google). A função do robozinho Android possibilita que vejamos no bate-papo do Google se as pessoas estão usando um celular com Android. Esta função é ativada experimentalmente no Gmail no menu configurações, na aba Labs e marcando o botão Ativar no Lab Robô verde, como demonstrado na figura abaixo.


A questão interessante que nos propusemos foi ativar o Gmail via desktop, depois via celular para ver como o símbolo mudava na visualização de outra pessoa que também estivesse usando o Gmail com o bate-papo. O símbolo de bolinha verde mudou para robozinho verde como esperado, mas quando voltamos a mandar mensagens no bate-papo via desktop, o robozinho continuou sendo mostrado. Em outras palavras, mostrava que eu estava usando celular, mesmo que eu estivesse mandando mensagens pelo desktop. Bastava apenas que o celular continuasse ligado. Era como se o sinal do Android tivesse prioridade. De todo modo, não havia um sinal que representasse fielmente minha comunicação, podia até indicar uma pista falsa.

E novamente: nada de evolução ou não, mas simplesmente verificação de formas adequadas de comunicação. Vamos esperar para ver se o Google vai considerar esta situação.

A linguagem certa em e-mails no Google

Um dia desses, ao enviar um e-mail pelo Gmail, sem arquivo em anexo, mas com o termo "anexo" escrito na mensagem, me deparei com um aviso do programa, dizendo exatamente que eu tinha colocado o termo "anexo" no e-mail e alertando, "gentilmente", que eu não tinha anexado nenhum arquivo. Tentei reproduzir a situação, mas só consegui algumas vêzes. Notei que o aviso ocorria exatamente para a expressaõ "em anexo", mas não quando se excluia o "em". Há algumas bobagens ao se referir ao uso da expressão em português. Alguns acreditam que a palavra anexo é apenas adjetiva e, portanto, teria sempre que ter alguma concordância, nunca devendo ser usada ao lado de "em". As gramáticas formais já abonam perfeitamente o uso da expressão com "em". Contudo, restringem o uso "em anexo" como invariável e sem o "em" como um adjetivo e, portanto, com concordância e variando.

Há um problema se o Google vier a adotar o seu aviso apenas para as formas gramaticalmente aceitas da norma oficial. Expressões como "envio anexo minha documentação" não seriam identificadas, mas deveriam ser porque refletem uma ação real e, se alguém escrever esta mensagem e não anexar um arquivo, merece a mesma atenção. Até porque pode não só ter esquecido de anexar algo, mas também ter esquecido de observar sua escrita na hora da pressa, o que acontece com qualquer pessoa que eu conheça.

Se a forma do Google identificar a linguagem humana for pelo caminho irreal do uso que há nas gramáticas normativas, ocorreria algo como não dar atenção a uma pessoa, fornecendo a ajuda necessária, simplesmente porque a pessoa escreveu de um jeito diferente (ou "errado"). Porém o uso concreto e compartilhado pelas pessoas é o certo para a comunicação.

Para evitar maiores problemas de muitos avisos ou avisos inconvenientes, o Google pode simplesmente usar as formas de sugestão que já adota para pesquisas e em outras situações de comunicação, mostrando alternativas de acordo com o contexto, conforme vídeo adiante, mas com o acréscimo de o usuário poder ou não habilitar. Desse modo, estaríamos implantado uma análise do português útil em e-mails e longe da infelicidade dos gramatiqueiros.